Grid

GRID_STYLE
FALSE
TRUE

Classic Header

{fbt_classic_header}

Top Ad

Últimos chasques

latest

Com gaitas de eucalipto, projeto fornece aulas gratuitas para jovens

Gaitas são feitas na própria Fábrica, em Barra do Ribeiro | Foto: Guilherme Santos/Sul21 Débora Fogliatto Dentre as muitas cartas de fã...

Gaitas são feitas na própria Fábrica, em Barra do Ribeiro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Dentre as muitas cartas de fãs recebidas pelo músico Renato Borghetti, algumas o tocavam de forma especial. Eram as vindas de crianças que diziam querer aprender a tocar gaita-ponto — instrumento pelo qual ele é conhecido — mas lamentavam não conseguir pagar pelo instrumento. Com o passar dos anos, Borghettinho conseguiu realizar o sonho que dividia com tantos jovens: começou a dar aulas de gaita gratuitamente, fornecendo o instrumento, para crianças e adolescentes.

“Essas cartas e e-mails me fizeram perceber o quanto era restrito o acesso da gaita-ponto aos interessados de baixa renda, evidenciando a carência de um projeto que permitisse o estímulo e a inclusão de jovens talentos na perpetuação da autêntica cultura gaúcha, através da gaita de oito baixos,” comenta Renato. Em 2008, o projeto da Fábrica de Gaiteiros foi iniciado na escola Augusto Meyer, na cidade de Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre.

Quatro anos depois, foi possível completar o sonho, com a inauguração da Fábrica de Gaiteiros em Barra do Ribeiro, cidade ao lado de Guaíba, onde além de serem ministradas aulas, as próprias gaitas são confeccionadas. “Quando o Renato disse que ia fazer gaitas, chamaram ele de maluco. Ele bateu na porta de várias empresas para tentar obter financiamento, até chegar na Celulose Riograndense”, conta Newton Grande, gerente administrativo da Fábrica.

 A empresa, sediada em Guaíba e com horto e centro de pesquisas em Barra do Ribeiro, é especializada em celulose de fibra curta de eucalipto. Para firmar a parceria, foi proposto um desafio: que as gaitas confeccionadas fossem feitas de madeira de eucalipto. O músico então buscou por tipos de eucalipto com os quais fossem possíveis obter boa acústica, e chegou ao Lyptus, encontrado na Bahia. De lá, os pedaços da madeira chegam ao sul, onde são transformados em instrumentos a partir do trabalho artesanal feito na Fábrica.

Atualmente, são sete escolas em seis cidades: duas em Porto Alegre, uma em Guaíba e uma em Barra do Ribeiro, além de Bagé, São Gabriel e Tapes. Em breve, as aulas de gaita chegarão também a Venâncio Aires. O projeto é aplicado em crianças de 7 a 15 anos de forma gratuita, com aulas particulares, utilizando as gaitas de fabricação própria.

Barra do Ribeiro

A pequena cidade de 12 mil habitantes não é a sede da Fábrica por acaso. Barra do Ribeiro é uma das paixões de Renato Borghetti, que apesar de ter nascido na capital gaúcha, escolheu como lar a cidade de onde é sua esposa, com aspecto de praia em plena região metropolitana. “Hoje, não tem como falar em Borghettinho e Barra sem lembrar um do outro, e a Fábrica já está sendo incluída nisso”, aponta Newton Grande.

O gerente destaca que a grande procura de jovens e crianças pelo ensino da gaita-ponto também é reflexo da própria cultura da cidade. “A população daqui tem duas coisas muito interessantes. São muito musicais e tem um convívio muito bonito com o rio, a água”, afirma.

 O próprio prédio onde fica a Fábrica está localizado à beira do Rio Guaíba, onde antigamente funcionavam depósitos de produtos que eram trazidos por navios. Construído em 1932, o edifício é uma espécie de grande galpão que foi todo reformado pela arquiteta Emily Borghetti (filha de Renato), que preservou o prédio ao máximo e, ao mesmo tempo, modernizou-o.

A estrutura interna é feita de vidro, de forma que é possível enxergar dentro de todas as salas, localizadas no térreo. Os tijolos, ainda da época em que foi construído, foram deixados à mostra e o piso é de cimento, enquanto o segundo piso é uma espécie de mezanino, onde está o anfiteatro. Para preservar a privilegiada vista do pôr do sol ou da lua, a parede de trás foi aberta e transformada em janelas, formando um cenário natural para o teatro, que recebe palestras, shows e peças.
Escola de gaitas

As aulas acontecem de forma individual nos turnos da manhã e tarde. São 30 alunos que têm aulas com o professor Eduardo Gonçalves Vargas, que toca gaita há 14 de seus 27 anos. Ele começou a se interessar pelo instrumento quando se mudou para Guaíba com seu pai, que tinha uma gaita, e começou a aprender de forma autodidata.

 Como todos os que trabalham na Fábrica, ele foi convidado por Borghettinho para assumir o posto de professor. “Eu não tinha experiência como professor e tinha um temperamento um pouco forte, o que complicou no início. Mas com o tempo, comecei a trabalhar e aprender a postura de professor”, conta ele, que agora está também cursando Licenciatura em Música.

Embora ele próprio não tenha tido inicialmente formação teórica, Eduardo acredita na importância de ensinar isso aos estudantes. Ele explica que o mais difícil no aprendizado da gaita é a questão motora, por ser um instrumento diatônico e com notas que variam quando se abre ou fecha o fole. “O ensino da gaita sempre foi prático, mas é bom saber a teoria e se aplicar ela na prática, para que seja possível afinar diferentes modelos”, explica o professor.

Eduardo conta que há muita procura para a escola, tanto de meninos quanto de meninas, que representam atualmente cerca de 40% dos alunos. “As inscrições estão sempre abertas e a divulgação é feita principalmente por boca a boca. A lista de espera sempre está se renovando”, afirma. Uma dessas alunas é Juliana Ramos Neves, estudante do Ensino Médio de 15 anos que está na escola há cerca de um.

 Ela demonstra que engana-se quem limita-se ao estereótipo de tocadores de gaitas, homens de chapéu e bombacha. Enquanto o professor Eduardo estava pilchado e bebendo um chimarrão, Juliana se vestia com roupas que poderiam ser de qualquer menina de sua idade: calça jeans, tênis, cabelo preso em um rabo de cavalo e unhas pintadas de vermelho. Tímida, contou que já tem uma gaita em casa, que pretende continuar tocando. “Eu sempre gostei de ouvir músicas com gaita, e minha bisavó também tocava”, disse, explicando seu interesse pelo instrumento.

Confecção de gaitas

Por ser toda artesanal, a produção pode parecer demorada: são cerca de três a quatro gaitas feitas por mês, o que faz com que atualmente estejam sendo produzidas as gaitas de número 101 e 102. As gaitas confeccionadas são padrão, todas feitas de madeira Lyptus sem pintura, com a logomarca de Borghettinho no topo. Todas são em “8 baixo”, do mesmo tamanho, para uso exclusivo na escola e não são comercializados. Elas são feitas inteiramente pelos quatro trabalhadores da Fábrica, dois dos quais são menores aprendizes.

Matheus Costa, de 16 anos, iniciou sua relação com a gaita na própria Fábrica de Gaiteiros, onde se destacava pela facilidade em aprender o instrumento. Como as aulas são voltadas para crianças com até 15 anos, ele já não estuda lá regularmente, embora ainda participe das aulas em grupo e apresentações, e siga praticando com sua própria gaita. Agora, ele ajuda na confecção, onde se dedica da mesma forma que antes fazia nas aulas. “É interessante porque aprendi bastante sobre o instrumento, consigo tirar dúvidas sobre como é uma gaita por dentro”, relata o jovem.

 Além dele, trabalham lá Rogério de Oliveira Guimarães — gerente de confecção –, Júlio César dos Santos Spagiari — curiosamente conhecido como “Lucas” — e Jeferson Palmeiro Fernandes, também jovem aprendiz. Ao contrário de Matheus, Jeferson nunca tocou o instrumento, interessando-se apenas pela sua montagem. “O projeto da Fábrica foi iniciada na minha escola em Guaíba, então eu fui ver se tinha como trabalhar. Fiz um curso de dois anos enquanto já trabalhava como menor aprendiz”, conta.

A gaita protótipo, chamada de número 0, está na sala do diretor da Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes, a número 1 está com o próprio Borghetti, a 2, em exposição na escola, em uma espécie de linha do tempo da história do instrumento localizada no segundo andar. Já a terceira está com um dono improvável: o guitarrista Eric Clapton, que coleciona instrumentos dos locais aonde vai. Quando veio ao Rio Grande do Sul, foi presenteado pela gaita ao procurar por um instrumento típico do estado.

Confira mais fotos no site da Rádio Fronteira Gaúcha.


Fonte: Rádio Fronteira Gaúcha

Nenhum comentário