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Balbino Marques da Rocha

Paulo Monteiro Membro da Academia Passo-Fundense de Letras .................................................    Quando estudamos a poesia...

Paulo Monteiro
Membro da Academia Passo-Fundense de Letras
.................................................
   Quando estudamos a poesia gauchesca brasileira, enfrentamos grandes dificuldades para biografar seus autores. Ao contrário do que ocorre no Uruguai e na Argentina, os poetas que se tornaram clássicos e canônicos nesse subgênero poético, suas vidas, entre nós, não despertam o menor interesse dos auto-intitulados tradicionalistas.

   Autores declamadíssimos em rodeios e festivais não passam de ilustres desconhecidos. Outros, de reconhecida importância entre os seus, ainda mais desconhecidos se apresentam.

   Neste último grupo destaca-se a figura do santa-mariense Balbino Marques da Rocha, o "Amigaço", nascido em 16 de janeiro de 1915. Formado em 1937 pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre, fixou-se na capital trabalhando como cirurgião e ginecologista em diversos hospitais metropolitanos, como o da Beneficência Portuguesa e Ernesto Dornelles, além da Caixa dos Ferroviários e da Associação dos Funcionários, conforme narra o médico e escritor José Eduardo Degrazia.

   Hilton Luiz Araldi mobilizou seus contatos para auxiliar em informações sobre o poeta santa-mariense. Apesar da contribuição dos historiadores Israel Lopes e Dary Schaeffer, as descobertas foram mínimas.
   Balbino Marques da Rocha publicou seu primeiro livro, A estância de Dom Sarmento, em 1937, quando era acadêmico de Medicina, satirizando a troca na direção daquela faculdade, com a morte do conhecidíssimo Sarmento Leite. A sátira, de pronto, acabou sendo elevada às alturas do Antonio Chimango, tanto que durante o 1º Congresso de Poetas Crioulos do Rio Grande do Sul, realizado em junho de 1957, os poetas Hugo Ramirez e D'Ávila Flores apresentaram trabalhos salientando a importância da obra do autor de Trança Crioula.

   Hugo Ramirez considerava Antonio Chimango, de Amaro Juvenal, pseudônimo de Ramiro Barcelos, A Estância do abandono, de Zeca Blau, pseudônimo de José de Figueiredo Pinto, e A estância de Dom Sarmento, "os três livros mestres da nossa poética", referindo-se à gauchesca de língua portuguesa. D'Ávila Flores escrevia que "esse poema crioulo, vazado no estilo do Antonio Chimango, de Ramiro Fortes de Barcellos, consiste numa veemente e lapidar sátira à Faculdade de Medicina de Porto Alegre, à época em que era seu diretor o eminente e saudoso mestre Dr. Sarmento Leite".

   Antes de transcrever alguns poemas de Trança crioula, informava outras obras que Balbino escrevera em seus tempos universitários: "Lamentamos não havermos conseguido a Tropeada do Xavier, (Caravana de Estudantes ao Paraná, chefiada pelo dr. Xavier da Rocha – 1934) O Grito do Ipiranga, (sátira gauchesca, sobre a história de um colega); e Prova na Faculdade de Medicina, em trovas (Farmacologia-reações farmacológicas), e ainda numerosos versos publicados na revista do Globo e vários jornais do interior do Estado, durante os anos de Escola, 1932-1937".

   Os trabalhos de D'Ávila Flores e Hugo Ramires estão disponíveis em Anais do 1º Congresso de poetas crioulos do R.G.S. (Porto Alegre: Oficinas Graficas da Imprensa Oficial, 1958), entre as páginas 73 e 84 e 91 e 93, respectivamente.

Balbino Marques da Rocha em seu famoso, mas desconhecido poema, transita livremente entre o humorismo e a sátira. A substituição de Sarmento Leite por um diretor de origem italiana serviu para que o poeta zombasse do sotaque carregado daquela autoridade. Modernizava-se o Rio Grande. Filhos de italianos e alemães começavam a elevar-se cultural e politicamente. A agregação de valor nas propriedades coloniais contribuía para o enriquecimento de vastas regiões rio-grandenses, enquanto o declínio das charqueadas e a melhoria dos meios de transporte nas outras regiões pecuárias do país levavam a campanha a uma situação de decadência econômica.

   A estância de Dom Sarmento é um retrato desse período. O poema é quase um pastiche (é definido como obra literária ou artística em que se imita grosseiramente o estilo de outros escritores, pintores, músicos, etc.). Nele convivem passagens satirizando a situação da Faculdade de Medicina e outras descrevendo a vida campeira. Uma destas últimas passagens acabou popularizada como A Doma do potro baio.

   Balbino Marques da Rocha publicou as seguintes obras: A estância de Dom Sarmento (1937), que teve quatro edições (1957, 1958, 1973 e 1978); Trança crioula (1956) que posteriormente teve uma segunda reedição; A mudança do Portela (1957); Bruno Tivico (1962); Colônia do Sacramento (1965), todos de poemas, segundo registrou Pedro Leite Villas-Bôas em sua clássica Notas de bibliografia Sul-Rio-Grandense, e o ensaio O Centenário de Martin Fierro (1973), que, juntamente com Alguns poemas esparsos, hoje está reunido em Poemas campeiros (Porto Alegre: Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas, 1978), com prefácio do seu grande amigo e admirador Jayme Caetano Braum.

Consagrado especialmente entre os demais cultores do verso crioulo como um dos mais representativos poetas gauchescos da língua portuguesa, Balbino Marques da Rocha faleceu em Porto Alegre, onde viveu e poetou a maior parte de sua vida no dia 10 de agosto de 1996.

E um potro baio-marmelo,
Que não pelava o lombilho,
Com cada um coromilho,
De assustar um domador,
Ali estivera no piquete,
Esperando algum ginete
Pra passar-le o maneador!

Mas tinha uma condição:
Era depois de ensilhá-lo,
Deixar tão manso o cavalo,
Que palanqueando o bagual,
Fosse uma china sozinha,
Dar um nó num fio de linha,
Na rede atrás do bocal...

Não se enxergava um campeiro,
Que aguentasse este tirão,
Porque soltar redomão,
A um porto de tal topete,
Só dá pra fazer picuinha,
Inda mais atar a linha,
De atrás do bocal do flete.

Mas como foi se espalhando,
A notícia do tal potro,
Se pensava num e noutro,
E as morenas como um raio,
Pois ia ser a rainha,
Quem atasse o fio de Linha,
De atrás do bocal do baio!

Nisto alguém se levantou,
Deu de mão num bucal grosso,
Num maneador e num laço
E foi ali repontar
O pingo para ensilhar,
O nosso pardo Amigaço.

É que uma, ali, cor de cuia,
China de trança cuidada,
Não quis lê dar muita entrada,
E o caboclo de soslaio,
Notou que a china estranhava
Parece que ninguém se ensaiava
Pra repicar o tal baio.

Quando o pardo alevantou-se,
A chinoca estremeceu...
Se este povo percebeu,
Virgem Santa, si pareça
Que eu fui a causa de tudo,
Vou dizer ao chilenudo
Que tire isto da cabeça!...
Mas já o índio de a cavalo,
Cruzava lá na cancela...
Se via aquela panela
De gente "redemunhando"
Quando o flete disparou
Foi que a corda se cerrou
Atrás da orelha enforcado.

E com mais uns tironaços,
E mais um tino campeiro,
O bagual como um terneiro
Foi recebendo a carona,
A cincha juntou-le o basto,
Um pelego cor-de-pasto
E a sobrecincha de lona.

Bocal sovado a capricho,
E rematando em ponteira,
Que toda a indiada campeira
Tem a sua manha no apero,
Cada qual tem seus inventos
E até pelo nó dos tentos,
Não "copeia" o companheiro.

Quando orelhavam o baio,
E o Amigaço se alçou,
O povo se encomendou,
Fazendo o pelo sinal...
Mas o Amigaço mui calmo,
Deu um nó na rédea, a um palmo,
Pra cá da "cruz" do bagual!

E é melhor nem mais contar...
O baio pateou na orelha,
Pulando um monte de telha,
Que estava ali pela frente,
E o pardo saiu tenteando,
Chapéu na mão gineteando,
Aos olhos daquela gente.

Dali um pouquito, riscou
Campo fora se perdendo,
A indiada foi se benzendo,
Rezando a Deus com fervor,
Só bombeando a polvadeira,
Daquela louca carreira,
Por detrás de um corredor!

Passou-se mais um bocado,
De anciã desenfreada,
Lá adiante junto da estrada,
No rebordo de um capão,
Amadrinhador do lado,
O potro vinha estonteado,
Num trote de redomão!

Apeou-se meio por longe,
Pra não judiar do cavalo,
Pois não queria surrá-lo...
E o amarrou num moirão,
Pedindo pra caboclinha,
Que no mais atasse a linha
Na rédea do redomão!

A moça toda risonha,
Foi chegando pra o cavalo,
E no tentar alisá-lo,
O baio lambeu-le a manga,
E depois de atar a linha,
Considerou-se a rainha
Vermelha como pitanga!

Virando pra o Amigaço,
Mesurou-se agradecendo...
Mas o pardo foi dizendo,
M'ia dama, não foi do trato...
O potro gostou da linha,
Perdoe se foi rainha,
Por este preço barato!

Não precisa agradecer,
Que já me acho bem pago,
Naquele bocal eu trago
Atado o fio da m'ia sorte,
Faz de conta que é uma história,
Não guarde na sua memória,
Este índio vago e sem norte!...

Fonte: Rádio Planalto
Colaboração: Hilton Araldi

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