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Lauro Rodrigues: pioneiro do MTG contemporâneo

* Paulo Monteiro Quando nos dedicamos a estudar a poesia gauchesca de língua portuguesa, uma das primeiras constatações é que a maioria dos ...

* Paulo Monteiro

Quando nos dedicamos a estudar a poesia gauchesca de língua portuguesa, uma das primeiras constatações é que a maioria dos poetas não tem biografia. Apesar da popularidade que gozam, a vida e a obra dos poetas desse gênero ou subgênero são praticamente desconhecidas. É o caso de Lauro Pereira Rodrigues, nascido em Santo Amaro em 7 de janeiro de 1918.

Lauro Rodrigues foi um dos pioneiros do Movimento Tradicionalista Gaúcho contemporâneo. Apresentou o primeiro programa gauchesco da história, intitulado “Campereadas”, a partir de 1935, na Rádio Gaúcha, onde lançou Pedro Raymundo. Onze anos depois, um grupo de jovens estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, assentou as bases do atual Movimento Tradicionalista Gaúcho. Quase todos eles apresentaram programas radiofônicos, seguindo a linha lançada por Lauro Rodrigues. Em 1958 voltou ao rádio, na Farroupilha, apresentando o programa “Roda de Chimarrão”. Além do tradicionalismo, tratava de assuntos urbanos e rurais de Porto Alegre.

Pedro Villas-Bôas, autor de Notas de Bibliografia Sul-Rio-Grandense (A Nação-SEC, Porto Alegre, 1974), informou-nos que era “radialista, poeta, jornalista e político”. E que pertencia à Estância da Poesia Crioula. Em 1944 publicou Minuano, pela Livraria Globo, livro de poemas gauchescos do qual saíram mais duas tiragens naquele mesmo ano.

Bibliógrafo atento, Pedro Villas-Bôas revelou que apenas listou os livros que realmente conferiu pessoalmente. Quando escreve “tiragens” diz reimpressões. Tanto isso é verdade que tenho nas minhas mãos a “3ª Edição”, que responde às características anotadas por Villas-Bôas em seu livro. Dois anos depois, em 1946, pela mesma editora, publicou A Ronda dos Sentimentos, um volume de 70 páginas com sonetos e poemas, do qual saiu uma única edição.

Invernada Vazia, o terceiro livro, com o subtítulo de “versos regionais”, foi lançado, em primeira edição no ano de 1951, pela Editora Coruja, de Porto Alegre. Segundo o mesmo bibliógrafo, no mesmo ano, pela mesma editora, sai “uma 2ª tiragem”. Tenho em mãos a “2ª edição”, dentro das características expostas por Pedro Villas-Bôas, inclusive “impresso no sistema multilite”, onde não consta o ano da impressão.

As orelhas de Invernada Vazia trazem algumas referências interessantes a Minuano. A primeira delas, de Antonio Barata, da Editora Globo, diz: “Nenhum romance, biografia, livro de contos ou reportagem, encontrou entre nós, nestes últimos tempos, o recorde de vendas de Minuano. Nunca na história dos livros rio-grandenses uma obra vendeu tanto em tão pouco tempo. A razão do êxito, reside, indiscutivelmente, no próprio valor da obra. É um livro para o povo, feito com o sentimento do povo. Lendo-o, sente-se a nostalgia da campestre, do rodeio, da roda de mate nos galpões, dos lábios polpudos da chinoca, do amor sem convenções…”

A afirmação de Antonio Barata é interessantíssima. Um dos autores gaúchos editados pela Globo era nada mais nada menos do que Erico Veríssimo. Três edições num único ano e, ainda, o livro mais vendido nos últimos anos provam a popularidade do poeta.

A segunda nota é de “Catulo da Paixão Cearense”. Ei-la: “Nesta época de guerra e de ódios a sua poesia é uma bandeira de paz e de civismo alçada no topo. Deixo a você o meu cajado de glórias…” Ora, nada mais nada menos do que o mais popular dos poetas populares brasileiros na primeira metade do século XX, que faleceu pouco tempo depois, legando o seu “cajado de glorias” ao poeta de Santo Amaro.

Em 1951 foi publicado Senzala Branca, um livro de “poemas revolucionários”, pela Editora Coruja. No ano seguinte saiu a “2ª Edição”, pela Editora La Salle, de Canoas, com uma tiragem de cinco mil exemplares. A política acabou absorvendo o tempo do poeta. Somente em 1978 publicou seu último livro de poemas, A Canção das águas prisioneiras (Martins Livreiro-Editor, Porto Alegre). Pedro Villas-Bôas deixou registrado que o poeta possuía, inéditos, os livros Vozes do Parque, Bilhetes, Versos Íntimos e Coletânea de Sonetos e, em preparo, Alçados e Araganos.

Militante do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro –, Lauro Rodrigues assumiu várias vezes como deputado estadual por aquele partido. Depois de 1967, com o bipartidarismo imposto pelo regime de exceção, filiou-se ao MDB – Movimento Democrático Brasileiro – pelo qual exerceu dois mandatos de deputado federal. Pescador e caçador apaixonado, faleceu afogado em sua terra natal, no dia 17 de dezembro de 1978, quando naufragou o pequeno barco tripulado por ele, enquanto remava contra uma tempestade de verão.

Um dos poemas mais conhecidos de Lauro Rodrigues, que está nas páginas 21 e 22 do seu primeiro livro, é ”Meu baio ruano”, declamadíssimo em rodeios e concursos de declamação:

Meu baio ruano

Eu tenho um baio ruano
flete bueno
anca de vaca;
cosquilhudo
de virilha e de paleta
puerva ligeiro de pelear de faca.

Nesse baio
eu já fiz tanta proeza
qu’ele carrega a minh’alma presa
na barbela trançada de seu freio.

Muita carreira
esparramei de-hupa!
alegrei muito fandango feio
e muita china sentou na sua garupa.

Esse baio
tem na concha de suas patas
a história
da mais linda das mulatas
por quem um dia, afinal, me abichornei!

É bueno
esse pingo anca de vaca,
flete ligeiro
de pelar de faca,
esse baio
ruano que eu domei!

Interessante é que o grande amor do poeta foi uma mulata, tipo racial não muito comum como musa dos gauchescos. E veja você, leitor, que a presença do negro e do mulato na maioria das cidades do Rio Grande imperial representava cerca de 25% da população. O intercurso sexual entre o homem branco, mais abastado, e a mulher de cor, das camadas proletárias, foi muito maior do que se imagina. É o que vemos retratado em “Mulata”, páginas 57 a 66 de Invernada Vazia.

Interessante também é o esquema rimático do poema: a redondilha maior, muito praticado por um “romântico arcaizante” como Gonçalves Dias. Muito comum na poesia popular e bastante encontrado no romanceiro medieval. Alguns versos mais longos que aparecem não passam de dois pentassílabos formando um único verso.

Lauro Rodrigues confere lirismo a uma realidade que foi muito comum no meio rural sul-rio-grandense. A maioria dos atuais quilombos – como já escrevi – não são quilombos no sentido real do termo, mas sim “posses de negros”, descendentes de escravas ou libertas (negras alforriadas) e antigos estancieiros.

Continua na próxima edição.

* Paulo Monteiro, ex-presidente da Academia Passo-Fundense de Letras e membro do Instituto Histórico de Passo Fundo

Informações da Rádio Planalto
Colaboração: Hilton Araldi

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